Omie levanta R$ 580 mi com SoftBank e quer ser o internet banking para empresas
Depois de nomes como Nubank e Neon digitalizarem o bolso de brasileiros nos últimos anos, as finanças de empresas (principalmente de pequeno e médio porte) têm se tornado uma nova fronteira para os bancos digitais - e também para outras startups que agora querem se "fintechzar". Pegando carona nesse movimento, a Omie anuncia nesta terça-feira, 3, um aporte de R$ 580 milhões liderado pelo grupo japonês SoftBank. A startup, dona de uma plataforma de gestão empresarial, pretende usar o capital para investir na combinação de serviços financeiros com tarefas de rotina, como emissão de notas fiscais e controle de fluxo de caixa
A rodada também teve participação da gestora americana Riverwood Capital, que já investia na Omie, e de investidores como Dynamo, VELT, Bogari Capital, Hix Capital e Brasil Capital – o valor de mercado da startup após o aporte não foi revelado. Até então, a empresa, fundada em São Paulo, havia recebido R$ 105 milhões em investimentos.
Fundada em 2013, a Omie ganhou mercado oferecendo sua plataforma de gestão empresarial em nuvem (ou ERP, na sigla em inglês) para facilitar a administração de pequenos negócios. Para restaurantes, por exemplo, o software da startup oferece integração de compras e estoques para reposição de produtos e ajuda a manter os impostos dos itens em dia. Em lojas de atacado e varejo, o sistema também realiza o monitoramento em tempo real das vendas. A Omie tem como nicho principal de atuação a contabilidade: os contadores funcionam como ponte, indicando a plataforma para seus clientes. O serviço custa cerca de R$ 55 mensais para empresas do tipo microempreendedor individual (MEI) – ao todo, a startup já soma hoje 70 mil clientes.“Queremos mostrar às empresas que não é normal ter funcionários presos em burocracias só para emitir nota fiscal, lançar boleto e fazer planilha de cobrança. É possível fazer isso com um software com muito menos chance de erros”, afirma Marcelo Lombardo, fundador e presidente executivo da Omie, em entrevista ao headtopics.com
O sistema da Omie usa a estrutura de nuvem da Amazon e inclui uma camada de tecnologias desenvolvidas pela própria startup. Um dos diferenciais tecnológicos, segundo Lombardo, é o uso de inteligência artificial (IA) para gestão. “Se existem várias opções de classificação fiscal e de possibilidades de impostos para determinada transação, usamos a IA para determinar o melhor cenário fiscal e as alíquotas e incidências corretas para aquela transação”, explica.
Com os novos recursos, o plano da Omie é fortalecer a parte de serviços financeiros da plataforma, unindo burocracias e atividades bancárias em um lugar só – assim, um lojista poderia, por exemplo, conferir seu fluxo de caixa, realizar um TED e registrar a transferência sem migrar de tela.
Parte disso a Omie pretende executar com produtos próprios, oferecendo aos clientes conta-corrente, antecipação de recebíveis e crédito – a empresa espera receber autorização para atuar como agente financeiro até o final do ano. Contudo, o trabalho será principalmente de conexão: para respeitar clientes que tenham contas em diferentes bancos, a Omie pretende facilitar a interligação da plataforma com o resto do sistema financeiro brasileiro. Em junho, a startup firmou uma parceria com o Itaú para oferecer sua plataforma de gestão para as PMEs clientes do banco e diz estar aberta a mais acordos do tipo.
“Por estarmos dentro da vida das empresas, conseguimos ter uma visão segmentada, de necessidades diferentes de produto para cada setor”, afirma o presidente executivo da Omie. É um movimento de “fintechzação” que ganhou impulso com o “open banking”, afirma Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). “Só é possível uma plataforma de contabilidade oferecer esses serviços financeiros por conta do open banking, que vai permitir que entidades não financeiras se pluguem a produtos dos bancos”, explica Perez, em referência à nova fase de implementação do serviço do Banco Central, com expectativa de ter início ainda neste mês.
A atenção para arranjos de gestão e finanças não é nova. Em 2019, por exemplo, a Neon comprou a startup MEI Fácil, que ajuda microempreendedores individuais a obter um CNPJ, emitir nota fiscal, pagar guias de impostos, entre outros serviços. Outras fintechs, como a Linker, também têm apostado em contas digitais para empresas conectadas a sistemas de contabilidade. “A tendência é que cada vez mais as fintechs se especializem em grupos específicos”, diz o presidente da associação.
Para Perez, na disputa pelas finanças das PMEs, a Omie tem o trunfo de já acompanhar de perto há anos a rotina das empresas. Porém, do outro lado, bancos digitais têm a seu favor a experiência com serviços financeiros digitais e a escala conquistada nos últimos anos.
Apesar do novo cheque, o último ano não foi fácil para a Omie. No começo da pandemia, em abril, a startup chegou a demitir 136 funcionários de sua equipe, que tinha 439 pessoas. Isso porque seus clientes sofreram com a crise: as pequenas empresas estavam lutando para se manterem de portas abertas, e não tinham tempo nem dinheiro para investir em plataformas de gestão.
A receita da Omie caiu 2,3% no período – a empresa teve de renegociar meses de gratuidade com os clientes. Para se recuperar, a startup mudou o modelo de negócio e começou a olhar para empresas de médio e grande porte, um público que já chegava organicamente à companhia desde 2019. As empresas que faturam mais de R$ 10 milhões ao ano, cerca de 14% da receita recorrente da Omie em fevereiro de 2020, agora representam 30%. A startup voltou a contratar e soma agora 950 pessoas – a expectativa é chegar ao final do ano com 1,5 mil.
Para Eric Barreto, professor de contabilidade do Insper, a pandemia, depois dos primeiros meses de incerteza, forçou a digitalização de diversas companhias, bem como o nascimento de micro e pequenas empresas. “O confinamento forçou muita gente a trabalhar remotamente, então tem uma tendência de mais pessoas no empreendedorismo”, explica, citando que a demanda foi crescendo para startups como a Omie. “E aí você vai atrás desse serviço de contabilidade digital.”
As startups de contabilidade como um todo vêm ganhando força. No estudo da empresa de inovação Distrito que reúne candidatos brasileiros ao título unicórnio (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão), dois nomes do setor aparecem como destaques para 2021: Conta Azul e Contabilizei. “As ferramentas digitais podem ser grandes aliadas do contador. Elas conseguem transformá-lo em uma peça de maior valor, com trabalho menos braçal e mais analítico”, afirma Barreto.